Desde os primeiros escritos que Agustina Bessa-Luís escolhe um lugar, uma casa, uma paisagem, para aí fazer circular os seus personagens. Não quer dizer que pertençam exclusivamente ali, poderiam existir noutros lugares, climas e sociedades, mantendo o comportamento e o destino. Porque o que se move é a alma, e essa habita todos os lugares e todos os tempos, ao mesmo tempo, sem neles se fixar para sempre. É isso que torna a sua obra intemporal, e não o local.
No entanto, e porque Agustina em nenhuma das suas obras se desprende de si própria, pareceu-nos que este exercício de seguir os rastos das suas paragens inspiradoras podia ser também um contributo memorialista da própria Agustina.
Assim, escolhemos para apontamentos da nossa viagem a cidade do Porto, o Douro e o Minho, deixando para outros roteiros outros caminhos percorridos na vasta obra de Agustina.
Imaginemos um passeio pelo mapa caminhando por aqui e ali, na companhia de uns e de outros, e nas suas falas; parando, para olhar uma rua, uma casa, um vale, uma ruína; ou para sentir um silêncio que nunca foi interrompido. É possível ainda localizar, lembrar, imaginar, e isso transporta-nos para dentro dos cenários, num convívio próximo e privilegiado.
Resta-nos agradecer à Fundação Millennium bcp, na pessoa do Dr. Fernando Nogueira, com quem foi assinado o protocolo de apoio mecenático a esta iniciativa que agora se concluiu e se apresenta ao público, com o desejo de que constitua mais uma nota que estimule a um novo convívio com Agustina.
Mónica Baldaque
Presidente da Direcção do Círculo Literário Agustina Bessa-Luís
PORTO
DOURO E MINHO
N’O Livro de Agustina, a autora recorda a fase em que publicou o seu primeiro romance, Mundo Fechado: «Mandei o livro aos escritores mais famosos, Aquilino, Ferreira de Castro, Torga e Pascoaes. Responderam-me com entusiasmo, e a correspondência com Aquilino prolongou-se por alguns anos, sem que nunca nos tivéssemos encontrado. Torga foi mais prudente e evasivo, o que desencadeou a minha cólera. […] A carta de Pascoaes veio do mundo dos espíritos ter comigo, dois anos depois da morte dele. E eu disse que era natural, embora em segredo as coisas naturais sejam conhecidas.»
A resposta do poeta Teixeira de Pascoaes data de 5 de Janeiro de 1950: «[…] Feriu-me sobretudo, no desenho nítido das paisagens, a figura esboçada do Personagem principal. Nisto reside o maior merecimento da obra! O ser humano, porque é vivo, é indefinido, perante as cousas mortas ou simplesmente animadas. Este contraste, tão eloquente! no seu livro, porque faz resultar a verdade que vislumbramos no panorama do mundo, feriu-me, repito, duma maneira muito especial e original! […]»
Em 2004, aquando da reedição deste romance, Agustina Bessa-Luís recorda o tempo de escrita de Mundo Fechado. «Escrevi-o em Coimbra, tinha casado há pouco e a minha filha dormia à tarde no quartinho ao lado do nosso. Era o tempo que eu tinha para escrever, e via da janela o jardim calado e deserto, como é bonito ver os jardins. […] Impresso na tipografia Gráfica de Coimbra, ele foi integrado na colecção Mensagem, iniciada em 1941 por José Vitorino de Pina Martins.»
Em Mundo Fechado a autora conduz o leitor por uma paisagem vinhateira para contar a história de Pedro, o rapaz da cidade que vai visitar as tias à aldeia e procurar melhores ares para tratar uma fragilidade pulmonar que o afectara. Ao longo do enredo, Agustina não determina lugares em concreto, contudo a ele associamos a Casa do Paço, onde a autora passou grande parte da sua infância junto de suas tias paternas.
«A verdade é que as férias na aldeia não lhe faziam bem. Desta vez, pelo menos. Chegara na antevéspera, e vivia, desde que chegara, num humor acabrunhado, ocioso e cheio de pressentimentos. […] Sentia-se extraordinariamente cansado, vencido, ansioso por deixar aquela terra, a casa, as tias, e ir para algures, longe, talvez para uma praia triste onde pudesse olhar o mar duma janela aberta, e escrever um diário, com os pés nus enterrados na areia.»
Lugar recorrente figurado na obra de Agustina, é também na casa do Paço, na rua que tem hoje o nome da escritora, que vamos enquadrar o romance de 1954, A Sibila.